terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Documentário: Crianças Invisíveis

Crianças Invisíveis

All the Invisible Children

Dirigido por Kátia Lund, Spike Lee, Emir Kusturica, John Woo, Mehdi Charef, Stefano Veneruso, Ridley Scott, Jordan Scott. Com: Francisco Anawake de Freitas, Vera Fernandes, Uros Milovanovic, Dragan Zurovac, Mihona Vasic, Daniele Vicorito, Emanuele Vicorito, Maria Grazia Cucinotta, Hana Rodson, Andre Royo, Rosie Perez, Hazelle Goodman, David Thewlis, Kelly Macdonald, Jordan Clarke, Jack Thompson, Adama Bila, Elisée Rouamba, Ahmed Ouedraogo, Zicun Zhao, Ruyi Qi, Bin Wang.

https://www.youtube.com/watch?v=T51eWnlV9DU&ab_channel=AndressaB.Moraes

É inevitável: praticamente todo filme composto por episódios acaba se revelando uma experiência irregular, alternando entre segmentos ótimos e péssimos. Entretanto, este não é um problema que Crianças Invisíveis enfrenta, já que, basicamente, todos os seus episódios são igualmente medíocres. Em um filme que traz verdadeiros desastres dirigidos por veteranos como Emir Kusturica e Spike Lee, o curta da brasileira Kátia Lund acaba se transformando em destaque não por ser particularmente bom, mas por ser superior aos seus fracos companheiros.




Concebido por produtores italianos e contando com o apoio da UNICEF (que, ao lado do Programa Mundial de Alimentação, será beneficiada com os rendimentos do filme), o projeto traz sete episódios dirigidos por cineastas de países diferentes e que se concentram, em sua maioria, na miséria que condena milhões de crianças ao sofrimento em todo o planeta (os únicos que fogem um pouco do tema são os curtas de Spike Lee e aquele co-dirigido por Ridley e sua filha Jordan Scott). Assim, é realmente uma pena constatar que uma empreitada com propósitos tão nobres tenha resultado em uma obra tão decepcionante do ponto de vista artístico.

O primeiro dos segmentos de Crianças Invisíveis, dirigido pelo argelino Mehdi Charef, é também um dos mais trágicos: ambientado em um país africano não identificado claramente, Tanza concentra-se na monstruosidade do envolvimento de crianças em guerras civis – e, para isso, apresenta o espectador ao pequeno personagem-título, cujos modos endurecidos não conseguem ocultar os resquícios de uma inocência já quase perdida. Contando com uma fotografia sufocante, Tanza jamais explicita qual é a “causa” pela qual aquelas crianças estão lutando, mas deixa o óbvio ainda mais óbvio: seja ela qual for, não há como justificar o envolvimento daqueles pequenos guerrilheiros.

A violência, aliás, é o tema principal de Jonathan, dirigido por Ridley e Jordan Scott, que traz um veterano fotógrafo, especialista em regiões em conflito, vivendo uma crise pessoal em função de todas as atrocidades que testemunhou ao longo de sua carreira (um personagem obviamente inspirado em Kevin Carter, que se matou em 1994). Mergulhando em suas próprias lembranças, o sujeito (vivido por David Thewlis) reflete sobre a brutalidade da guerra, contrastando sua infância com aquela das crianças que perderam as famílias em função de confrontos bélicos. Comprovando a influência maior de Ridley-pai na direção (o que é natural), o episódio abusa da câmera inquieta e, como não poderia deixar de ser, traz a marca registrada do cineasta: partículas (terra e fumaça) cruzando a tela. Pena que a falta de foco da narrativa torne o filme tão aborrecido e sem força dramática. 

Igualmente frustrante é o curta comandando por Emir Kusturica, Blue Gypsy, que, apesar de tentar fazer um comentário interessante sobre a falta de opções de crianças nascidas em lares disfuncionais, perde-se graças ao humor tipicamente pastelão do cineasta, que não consegue esconder algumas de suas velhas tendências. Assim, em meio às várias quedas, tapas e tropeções presentes no filme, o drama do garotinho levado ao crime pelo próprio pai se torna um detalhe secundário e sem maior importância, o que é lamentável.

E já que estamos falando de delinqüentes juvenis, o episódio Ciro, dirigido pelo co-produtor de Crianças Invisíveis, Stefano Veneruso, gira em torno justamente de um pequeno ladrão que, fruto de um lar desfeito, passeia por Nápoles à procura de novas vítimas – e quando ele rouba o relógio de um motorista desavisado, o filme abandona qualquer tentativa de analisar a situação a fim de se entregar a uma perseguição absurda envolvendo um cachorro determinado a capturar o garoto. Neste aspecto, Ciro até se revela divertido em função do absurdo do cenário, mas só. 

Em contrapartida, Bilu e João, realizado por Kátia Lund, consegue combinar o bom humor da inventividade de seus dois protagonistas a um comentário social sobre a situação miserável em que muitas de nossas crianças vivem. Obrigados a catar latas e papelão nas ruas a fim de conseguirem algum dinheiro, os pequenos heróis enfrentam uma série de obstáculos de maneira sempre prática, buscando saídas mesmo quando tudo parece irremediavelmente perdido. Dirigido com inteligência por Lund (há um plano repleto de significado no qual favela e cidade surgem justapostas), o curta é charmoso e conta com atuações inspiradas dos pequenos atores, mas jamais chega a funcionar como o fantástico Palace II, que a cineasta co-dirigiu com Fernando Meirelles em 2002. 

Porém, se comparado a Jesus Children of America, que marca a participação de Spike Lee no projeto, o esforço de Kátia Lund torna-se um pequeno clássico. Resultando no pior episódio de Crianças Invisíveis, o filme de Lee conta a história de uma jovem garota que, filha de pais viciados em heroína, descobre ter nascido HIV-positiva. Dirigindo o segmento com mão pesadíssima, o cineasta parece adotar uma visão do início da década de 90 para discutir os preconceitos sofridos pela menina: certamente há aspectos mais relevantes sobre a questão, atualmente, do que “esclarecer” que o vírus não é transmitido pelo suor ou pelo catarro dos indivíduos contaminados – conceitos absurdos que as várias campanhas educativas realizadas nos últimos 20 anos já conseguiram discutir com relativo sucesso. Por que, em vez disso, Lee não retrata as dificuldades enfrentadas por muitos pacientes carentes em conseguir acompanhamento médico e remédios (sim, mesmo nos Estados Unidos)? Além disso, o lar da protagonista é estável demais para um casal tão desequilibrado como aquele formado por seus pais.

E chegamos, assim, a Song Song & Pequena Gatinha, dirigido por John Woo – o único episódio que exibe uma sensibilidade compatível com um projeto como Crianças Invisíveis. Focando-se em duas garotinhas de idades semelhantes que vivem em esferas sociais completamente diferentes, o roteiro acompanha o cotidiano deplorável de uma menina que, numa referência clara a Chaplin, tem como família apenas um adorável velhinho que mendiga pelas redondezas. A partir daí, Woo transmite sua mensagem através de planos que, por simples justaposição, salientam as discrepâncias entre as duas crianças: enquanto uma tem vários brinquedos largados em seu quarto, por exemplo, Song Song (a doce Ziann Zhao) divide sua boneca com várias crianças igualmente carentes. Sim, o cineasta não abandona suas marcas registradas, como a infalível câmera lenta, mas esta é a graça de um projeto como este: permitir que testemunhemos os trabalhos de cineastas diferentes, com seus estilos característicos, abraçando temas semelhantes.

É triste, portanto, que nenhum deles tenha conseguido sair do lugar-comum ou da simples mediocridade.

31 de Março de 2006


EUA e Alemanha: dois modelos de educação

Jornal da Unicamp 

EXTO

FOTOS


Em 1959, James Conant, o renomado reitor de Harvard, publicou seu famoso estudo sobre o ensino médio americano - The American High School Today. Neste instigante livrinho, Conant sublinha que 1 em cada 3 americanos chega ao ensino superior, taxa bem mais alta do que a europeia.  Contudo, Conant estava longe de ser um provinciano. Conhecia a Alemanha, fora embaixador naquele país, nos anos 1950. Por isso, logo em seguida faz uma ressalva importante:
“Mas a grande maioria dos americanos não é estudante universitário no sentido europeu do termo — ou seja, estudantes que se preparam para uma profissão. Na verdade, a percentagem de jovens que se preparam para serem médicos, advogados, engenheiros, cientistas, estudiosos e professores de disciplinas acadêmicas é quase a mesma neste país como na Europa — uma porcentagem surpreendentemente pequena, aliás — algo como 6% de um grupo etário"
De fato, Conant estava indiretamente revelando que, nesses dois países, suas camadas superiores adotavam modos diferentes de defender seus nichos de prestígio e poder. Modos diferentes, com resultado final bastante similar no que diz respeito à seletividade.
Conant prefere o modo americano. Na Alemanha, diz Conant, os estudantes são classificados de modo demasiado precoce – já perto dos 12 anos são distribuídos em segmentos separados: o acadêmico e o vocacional. Isto ocorreria desde a escola elementar e média – e como direta decorrência das heranças familiares. Desse modo, diz ele, o sistema desperdiçava talentos, porque a seleção refletia critérios não meritocráticos, mas estamentais.  Alguns críticos de Conant dizem que o sistema americano desperdiça de outro modo – com a evasão. E cria mais baixa-estima, subvalorizando as ocupações não “superiores”.
De qualquer modo, Conant argumenta que a escola média “compreensiva”, uma invenção tipicamente americana, não incorria no vício da seleção precoce. Garimpava melhor, digamos.  No prefácio desse livro, John Gardner, presidente da Carnegie Corporation de New York, patrocinadora da obra, procurava explicar esse traço peculiar dos americanos:
"A escola média compreensiva é um fenômeno dos Estados Unidos. Chama-se compreensiva porque oferece, sob uma única administração e sob o mesmo teto, ensino secundário para quase todos os jovens de uma cidade ou bairro. Ela é responsável por educar o garoto que será um cientista atômico e a garota que quer casar aos 18 anos; o futuro capitão de um navio e o futuro capitão de indústria. É responsável por educar os brilhantes e as crianças não tão brilhantes, com diferentes ambições vocacionais e profissionais e com diversas motivações. É responsável, em suma, pela prestação de boa e adequada educação, acadêmica e profissional, para todos os jovens dentro de um ambiente e princípios democráticos que o povo americano preza " [Gardner, in Connan, 1959, pp. IX-X].

Conant minimiza a forte e clara diferenciação da high school americana – em que muitos são chamados e poucos são escolhidos. É curioso que, em outra parte do livro, Conant menciona o componente que é decisivo para produzir tal efeito, mas não vincula as duas coisas. Esse componente é a desigualdade no financiamento das escolas. O financiamento é predominantemente local, refletindo, assim, bem de perto, a renda média do distrito. Como são poucos os corretivos, através de alocações estaduais e da união, mesmo as escolas públicas são fortemente desiguais. Basta olhar para uma escola rente ao Central Park, na Rua 66 de Manhattan, e compará-la com uma escola do South Bronx, a 15 minutos de metrô e a uma enorme diferença na renda media anual (razão de 1 para 10!). Na mesma cidade, oito ou nove estações de metrô são quase uma fronteira de classe.

Em algum momento, a pressão pela democratização do acesso ao ensino superior – ele próprio visto como porta de acesso à democratização de outros benefícios – choca-se com as possibilidades de inclusão do sistema. Em alguns países, a seleção é forte nos andares iniciais da escola. Porém, quando e onde esta seleção precoce se fragiliza, parece restar uma solução preservadora da desigualdade, da hierarquia: a diferenciação no nível superior, em que se constrói a educação dos 5% dos “de cima” e a educação superior “para os filhos dos outros”. Alguns países fazem a filtragem em um momento, a educação elementar e secundária. É o caso da Alemanha. Outros a fazem no superior, com a hierarquização, criação de um ensino superior “tipo B”. É o caso da França e dos Estados Unidos.

O mesmo parece ocorrer com relação à formação profissional, mais estritamente, para a formação das profissões “médias”. A Alemanha as concentra no ensino médio e vocacional. EUA e França remetem esse problema para escolas superiores de “segunda linha”, construídas a partir das escolas secundárias – os Junior Colleges  americanos (depois Community Colleges) nascem praticamente dentro das high schools, no começo do século XX, aproveitando suas instalações, seus professores, seus estudantes. Na França, as STS (Sections de Technicien Supérieur)  fazem algo similar, escolhendo, em cada região, os liceus capazes de sustentar esse “segundo andar”, profissionalizante.

O caso americano é particularmente interessante, pela sua aparente promessa de “igualdade”. A escola média “compreensiva”, que não discrimina, hierarquiza ou seleciona é algo difícil, raro. É quase uma ideia reguladora, como o estado de natureza rosseuaneano – aquele que certamente não existe, talvez nunca tenha existido e provavelmente nunca existirá. É volátil, como certos elementos químicos que sobrevivem apenas em condições especiais de laboratório. Mesmo quando instituída e solidamente instalada no ideário de uma sociedade, como a americana, a escola média “compreensiva” logo é empurrada para uma diferenciação de fato. Um dos resultados do processo histórico de acomodação é a emergência de um setor de escolas médias privadas de elite. Um outro efeito (talvez complementar ao primeiro) é uma diferenciação no interior mesmo do sistema público, com escolas de distritos ricos e escolas de distritos pobres.  Essa segmentação é mais fácil quando financiamento e gestão são assim descentralizados e as politicas de uniformização ou nivelamento são débeis e têm pouco eco social.

https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/reginaldo-correa-de-moraes/eua-e-alemanha-dois-modelos-de-educacao

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Coréia do Sul: que país é este?

 

Globo Repórter 16/03/2018 Coreia do Sul: que país é este?

https://www.youtube.com/watch?v=-Iu_2hA3eiI

Coréia do Sul se torna referência no ranking de países com a melhor educação mundial. Entenda!



O país destinou 7,6 de seu PIB para a educação, um dos mais elevados investimentos governamentais do mundo.

Igor Ricardo
Foto: Reprodução/TV Vanguarda


Localizada no leste asiático, a Coréia do Sul é um exemplo de país lembrado por um projeto de 
educação que deu certo. O modelo de educação implantado na Coréia do Sul tem um dos mais 
elevados investimentos governamentais, com um PIB de 7,6 destinado a educação. 
A Coréia do Sul lidera o ranking de países com a melhor educação mundial, segundo o Programa 
Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), programa que avalia estudantes matriculados a partir do 
7° ano do ensino fundamental. Avalia três áreas do conhecimento: leitura, matemática e ciências. 
Um dos objetivos é detectar até que ponto os países estão preparando seus adolescentes para desafios 
futuros.

Entre os ingredientes para a receita de sucesso da Coréia do Sul estão às famílias dos alunos e o 
aumento de horas na escola. O fato da família está presente no âmbito escolar e participar das 
atividades na escola promovem um incentivo para o aluno. Um estudante coreano estuda cerca de 
10 horas e ainda complementam com atividades extraclasses. Outro fator que contribui visivelmente 
para o crescimento da educação na Coréia do Sul é a valorização do professor. "Professores são vistos 
pelas autoridades como cruciais para o projeto nacional e elas não costumam criticá-los publicamente, 
por exemplo. Eles também são extremamente capacitados mesmo antes de começar a ensinar", relata 
o professor Paul Morris, do Instituto de Educação da Universidade de Londres. O professor ressaltou 
ainda que o sistema de educação coreano estimula a competição entre os estudantes em busca de 
vagas nas melhores universidades do país.  "Geralmente, os pais veem na educação um meio vital 
para determinar as oportunidades nas vidas de seus filhos e os encorajam e pressionam a trabalhar duro"
ressalta Paul.

Sair do grupo de países mais pobres para se tornar uma referência em educação e uma das nações mais
avançadas tecnologicamente não foi fácil. Após ter sido devastado por varias guerras até a década de 70, 
o país ver na educação uma saída para se reerguer. Em 1980, a nova prioridade do governo era acabar 
com o analfabetismo e investir no ensino médio e técnico para a formação de profissionais que possam 
trabalhar em empresas de tecnologia de ponta. 

Educação: Brasil X Coréia do Sul

As diferencias entre a educação no Brasil e na Coréia do Sul são gritantes, enquanto a Coréia lidera o 
ranking do pisa o Brasil se encontra no penúltimo lugar da lista, as notas obtidas foram: 63º lugar em 
ciências, 59º em leitura e 66º em matemática. A evasão escolar, a desvalorização do professor, tanto 
no quesito salarial quanto na segurança, onde por vezes muitos são agredidos por alunos e a falta de 
investimentos nas escolas públicas são apenas alguns dos problemas que o Brasil enfrenta.  Diante disso, o que todos os países tiram como lição é um modelo de educação que deveria ser adotado há séculos para a 
construção e sucesso de uma nação.