terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Documentário: Crianças Invisíveis

Crianças Invisíveis

All the Invisible Children

Dirigido por Kátia Lund, Spike Lee, Emir Kusturica, John Woo, Mehdi Charef, Stefano Veneruso, Ridley Scott, Jordan Scott. Com: Francisco Anawake de Freitas, Vera Fernandes, Uros Milovanovic, Dragan Zurovac, Mihona Vasic, Daniele Vicorito, Emanuele Vicorito, Maria Grazia Cucinotta, Hana Rodson, Andre Royo, Rosie Perez, Hazelle Goodman, David Thewlis, Kelly Macdonald, Jordan Clarke, Jack Thompson, Adama Bila, Elisée Rouamba, Ahmed Ouedraogo, Zicun Zhao, Ruyi Qi, Bin Wang.

https://www.youtube.com/watch?v=T51eWnlV9DU&ab_channel=AndressaB.Moraes

É inevitável: praticamente todo filme composto por episódios acaba se revelando uma experiência irregular, alternando entre segmentos ótimos e péssimos. Entretanto, este não é um problema que Crianças Invisíveis enfrenta, já que, basicamente, todos os seus episódios são igualmente medíocres. Em um filme que traz verdadeiros desastres dirigidos por veteranos como Emir Kusturica e Spike Lee, o curta da brasileira Kátia Lund acaba se transformando em destaque não por ser particularmente bom, mas por ser superior aos seus fracos companheiros.




Concebido por produtores italianos e contando com o apoio da UNICEF (que, ao lado do Programa Mundial de Alimentação, será beneficiada com os rendimentos do filme), o projeto traz sete episódios dirigidos por cineastas de países diferentes e que se concentram, em sua maioria, na miséria que condena milhões de crianças ao sofrimento em todo o planeta (os únicos que fogem um pouco do tema são os curtas de Spike Lee e aquele co-dirigido por Ridley e sua filha Jordan Scott). Assim, é realmente uma pena constatar que uma empreitada com propósitos tão nobres tenha resultado em uma obra tão decepcionante do ponto de vista artístico.

O primeiro dos segmentos de Crianças Invisíveis, dirigido pelo argelino Mehdi Charef, é também um dos mais trágicos: ambientado em um país africano não identificado claramente, Tanza concentra-se na monstruosidade do envolvimento de crianças em guerras civis – e, para isso, apresenta o espectador ao pequeno personagem-título, cujos modos endurecidos não conseguem ocultar os resquícios de uma inocência já quase perdida. Contando com uma fotografia sufocante, Tanza jamais explicita qual é a “causa” pela qual aquelas crianças estão lutando, mas deixa o óbvio ainda mais óbvio: seja ela qual for, não há como justificar o envolvimento daqueles pequenos guerrilheiros.

A violência, aliás, é o tema principal de Jonathan, dirigido por Ridley e Jordan Scott, que traz um veterano fotógrafo, especialista em regiões em conflito, vivendo uma crise pessoal em função de todas as atrocidades que testemunhou ao longo de sua carreira (um personagem obviamente inspirado em Kevin Carter, que se matou em 1994). Mergulhando em suas próprias lembranças, o sujeito (vivido por David Thewlis) reflete sobre a brutalidade da guerra, contrastando sua infância com aquela das crianças que perderam as famílias em função de confrontos bélicos. Comprovando a influência maior de Ridley-pai na direção (o que é natural), o episódio abusa da câmera inquieta e, como não poderia deixar de ser, traz a marca registrada do cineasta: partículas (terra e fumaça) cruzando a tela. Pena que a falta de foco da narrativa torne o filme tão aborrecido e sem força dramática. 

Igualmente frustrante é o curta comandando por Emir Kusturica, Blue Gypsy, que, apesar de tentar fazer um comentário interessante sobre a falta de opções de crianças nascidas em lares disfuncionais, perde-se graças ao humor tipicamente pastelão do cineasta, que não consegue esconder algumas de suas velhas tendências. Assim, em meio às várias quedas, tapas e tropeções presentes no filme, o drama do garotinho levado ao crime pelo próprio pai se torna um detalhe secundário e sem maior importância, o que é lamentável.

E já que estamos falando de delinqüentes juvenis, o episódio Ciro, dirigido pelo co-produtor de Crianças Invisíveis, Stefano Veneruso, gira em torno justamente de um pequeno ladrão que, fruto de um lar desfeito, passeia por Nápoles à procura de novas vítimas – e quando ele rouba o relógio de um motorista desavisado, o filme abandona qualquer tentativa de analisar a situação a fim de se entregar a uma perseguição absurda envolvendo um cachorro determinado a capturar o garoto. Neste aspecto, Ciro até se revela divertido em função do absurdo do cenário, mas só. 

Em contrapartida, Bilu e João, realizado por Kátia Lund, consegue combinar o bom humor da inventividade de seus dois protagonistas a um comentário social sobre a situação miserável em que muitas de nossas crianças vivem. Obrigados a catar latas e papelão nas ruas a fim de conseguirem algum dinheiro, os pequenos heróis enfrentam uma série de obstáculos de maneira sempre prática, buscando saídas mesmo quando tudo parece irremediavelmente perdido. Dirigido com inteligência por Lund (há um plano repleto de significado no qual favela e cidade surgem justapostas), o curta é charmoso e conta com atuações inspiradas dos pequenos atores, mas jamais chega a funcionar como o fantástico Palace II, que a cineasta co-dirigiu com Fernando Meirelles em 2002. 

Porém, se comparado a Jesus Children of America, que marca a participação de Spike Lee no projeto, o esforço de Kátia Lund torna-se um pequeno clássico. Resultando no pior episódio de Crianças Invisíveis, o filme de Lee conta a história de uma jovem garota que, filha de pais viciados em heroína, descobre ter nascido HIV-positiva. Dirigindo o segmento com mão pesadíssima, o cineasta parece adotar uma visão do início da década de 90 para discutir os preconceitos sofridos pela menina: certamente há aspectos mais relevantes sobre a questão, atualmente, do que “esclarecer” que o vírus não é transmitido pelo suor ou pelo catarro dos indivíduos contaminados – conceitos absurdos que as várias campanhas educativas realizadas nos últimos 20 anos já conseguiram discutir com relativo sucesso. Por que, em vez disso, Lee não retrata as dificuldades enfrentadas por muitos pacientes carentes em conseguir acompanhamento médico e remédios (sim, mesmo nos Estados Unidos)? Além disso, o lar da protagonista é estável demais para um casal tão desequilibrado como aquele formado por seus pais.

E chegamos, assim, a Song Song & Pequena Gatinha, dirigido por John Woo – o único episódio que exibe uma sensibilidade compatível com um projeto como Crianças Invisíveis. Focando-se em duas garotinhas de idades semelhantes que vivem em esferas sociais completamente diferentes, o roteiro acompanha o cotidiano deplorável de uma menina que, numa referência clara a Chaplin, tem como família apenas um adorável velhinho que mendiga pelas redondezas. A partir daí, Woo transmite sua mensagem através de planos que, por simples justaposição, salientam as discrepâncias entre as duas crianças: enquanto uma tem vários brinquedos largados em seu quarto, por exemplo, Song Song (a doce Ziann Zhao) divide sua boneca com várias crianças igualmente carentes. Sim, o cineasta não abandona suas marcas registradas, como a infalível câmera lenta, mas esta é a graça de um projeto como este: permitir que testemunhemos os trabalhos de cineastas diferentes, com seus estilos característicos, abraçando temas semelhantes.

É triste, portanto, que nenhum deles tenha conseguido sair do lugar-comum ou da simples mediocridade.

31 de Março de 2006


EUA e Alemanha: dois modelos de educação

Jornal da Unicamp 

EXTO

FOTOS


Em 1959, James Conant, o renomado reitor de Harvard, publicou seu famoso estudo sobre o ensino médio americano - The American High School Today. Neste instigante livrinho, Conant sublinha que 1 em cada 3 americanos chega ao ensino superior, taxa bem mais alta do que a europeia.  Contudo, Conant estava longe de ser um provinciano. Conhecia a Alemanha, fora embaixador naquele país, nos anos 1950. Por isso, logo em seguida faz uma ressalva importante:
“Mas a grande maioria dos americanos não é estudante universitário no sentido europeu do termo — ou seja, estudantes que se preparam para uma profissão. Na verdade, a percentagem de jovens que se preparam para serem médicos, advogados, engenheiros, cientistas, estudiosos e professores de disciplinas acadêmicas é quase a mesma neste país como na Europa — uma porcentagem surpreendentemente pequena, aliás — algo como 6% de um grupo etário"
De fato, Conant estava indiretamente revelando que, nesses dois países, suas camadas superiores adotavam modos diferentes de defender seus nichos de prestígio e poder. Modos diferentes, com resultado final bastante similar no que diz respeito à seletividade.
Conant prefere o modo americano. Na Alemanha, diz Conant, os estudantes são classificados de modo demasiado precoce – já perto dos 12 anos são distribuídos em segmentos separados: o acadêmico e o vocacional. Isto ocorreria desde a escola elementar e média – e como direta decorrência das heranças familiares. Desse modo, diz ele, o sistema desperdiçava talentos, porque a seleção refletia critérios não meritocráticos, mas estamentais.  Alguns críticos de Conant dizem que o sistema americano desperdiça de outro modo – com a evasão. E cria mais baixa-estima, subvalorizando as ocupações não “superiores”.
De qualquer modo, Conant argumenta que a escola média “compreensiva”, uma invenção tipicamente americana, não incorria no vício da seleção precoce. Garimpava melhor, digamos.  No prefácio desse livro, John Gardner, presidente da Carnegie Corporation de New York, patrocinadora da obra, procurava explicar esse traço peculiar dos americanos:
"A escola média compreensiva é um fenômeno dos Estados Unidos. Chama-se compreensiva porque oferece, sob uma única administração e sob o mesmo teto, ensino secundário para quase todos os jovens de uma cidade ou bairro. Ela é responsável por educar o garoto que será um cientista atômico e a garota que quer casar aos 18 anos; o futuro capitão de um navio e o futuro capitão de indústria. É responsável por educar os brilhantes e as crianças não tão brilhantes, com diferentes ambições vocacionais e profissionais e com diversas motivações. É responsável, em suma, pela prestação de boa e adequada educação, acadêmica e profissional, para todos os jovens dentro de um ambiente e princípios democráticos que o povo americano preza " [Gardner, in Connan, 1959, pp. IX-X].

Conant minimiza a forte e clara diferenciação da high school americana – em que muitos são chamados e poucos são escolhidos. É curioso que, em outra parte do livro, Conant menciona o componente que é decisivo para produzir tal efeito, mas não vincula as duas coisas. Esse componente é a desigualdade no financiamento das escolas. O financiamento é predominantemente local, refletindo, assim, bem de perto, a renda média do distrito. Como são poucos os corretivos, através de alocações estaduais e da união, mesmo as escolas públicas são fortemente desiguais. Basta olhar para uma escola rente ao Central Park, na Rua 66 de Manhattan, e compará-la com uma escola do South Bronx, a 15 minutos de metrô e a uma enorme diferença na renda media anual (razão de 1 para 10!). Na mesma cidade, oito ou nove estações de metrô são quase uma fronteira de classe.

Em algum momento, a pressão pela democratização do acesso ao ensino superior – ele próprio visto como porta de acesso à democratização de outros benefícios – choca-se com as possibilidades de inclusão do sistema. Em alguns países, a seleção é forte nos andares iniciais da escola. Porém, quando e onde esta seleção precoce se fragiliza, parece restar uma solução preservadora da desigualdade, da hierarquia: a diferenciação no nível superior, em que se constrói a educação dos 5% dos “de cima” e a educação superior “para os filhos dos outros”. Alguns países fazem a filtragem em um momento, a educação elementar e secundária. É o caso da Alemanha. Outros a fazem no superior, com a hierarquização, criação de um ensino superior “tipo B”. É o caso da França e dos Estados Unidos.

O mesmo parece ocorrer com relação à formação profissional, mais estritamente, para a formação das profissões “médias”. A Alemanha as concentra no ensino médio e vocacional. EUA e França remetem esse problema para escolas superiores de “segunda linha”, construídas a partir das escolas secundárias – os Junior Colleges  americanos (depois Community Colleges) nascem praticamente dentro das high schools, no começo do século XX, aproveitando suas instalações, seus professores, seus estudantes. Na França, as STS (Sections de Technicien Supérieur)  fazem algo similar, escolhendo, em cada região, os liceus capazes de sustentar esse “segundo andar”, profissionalizante.

O caso americano é particularmente interessante, pela sua aparente promessa de “igualdade”. A escola média “compreensiva”, que não discrimina, hierarquiza ou seleciona é algo difícil, raro. É quase uma ideia reguladora, como o estado de natureza rosseuaneano – aquele que certamente não existe, talvez nunca tenha existido e provavelmente nunca existirá. É volátil, como certos elementos químicos que sobrevivem apenas em condições especiais de laboratório. Mesmo quando instituída e solidamente instalada no ideário de uma sociedade, como a americana, a escola média “compreensiva” logo é empurrada para uma diferenciação de fato. Um dos resultados do processo histórico de acomodação é a emergência de um setor de escolas médias privadas de elite. Um outro efeito (talvez complementar ao primeiro) é uma diferenciação no interior mesmo do sistema público, com escolas de distritos ricos e escolas de distritos pobres.  Essa segmentação é mais fácil quando financiamento e gestão são assim descentralizados e as politicas de uniformização ou nivelamento são débeis e têm pouco eco social.

https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/reginaldo-correa-de-moraes/eua-e-alemanha-dois-modelos-de-educacao

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Coréia do Sul: que país é este?

 

Globo Repórter 16/03/2018 Coreia do Sul: que país é este?

https://www.youtube.com/watch?v=-Iu_2hA3eiI

Coréia do Sul se torna referência no ranking de países com a melhor educação mundial. Entenda!



O país destinou 7,6 de seu PIB para a educação, um dos mais elevados investimentos governamentais do mundo.

Igor Ricardo
Foto: Reprodução/TV Vanguarda


Localizada no leste asiático, a Coréia do Sul é um exemplo de país lembrado por um projeto de 
educação que deu certo. O modelo de educação implantado na Coréia do Sul tem um dos mais 
elevados investimentos governamentais, com um PIB de 7,6 destinado a educação. 
A Coréia do Sul lidera o ranking de países com a melhor educação mundial, segundo o Programa 
Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), programa que avalia estudantes matriculados a partir do 
7° ano do ensino fundamental. Avalia três áreas do conhecimento: leitura, matemática e ciências. 
Um dos objetivos é detectar até que ponto os países estão preparando seus adolescentes para desafios 
futuros.

Entre os ingredientes para a receita de sucesso da Coréia do Sul estão às famílias dos alunos e o 
aumento de horas na escola. O fato da família está presente no âmbito escolar e participar das 
atividades na escola promovem um incentivo para o aluno. Um estudante coreano estuda cerca de 
10 horas e ainda complementam com atividades extraclasses. Outro fator que contribui visivelmente 
para o crescimento da educação na Coréia do Sul é a valorização do professor. "Professores são vistos 
pelas autoridades como cruciais para o projeto nacional e elas não costumam criticá-los publicamente, 
por exemplo. Eles também são extremamente capacitados mesmo antes de começar a ensinar", relata 
o professor Paul Morris, do Instituto de Educação da Universidade de Londres. O professor ressaltou 
ainda que o sistema de educação coreano estimula a competição entre os estudantes em busca de 
vagas nas melhores universidades do país.  "Geralmente, os pais veem na educação um meio vital 
para determinar as oportunidades nas vidas de seus filhos e os encorajam e pressionam a trabalhar duro"
ressalta Paul.

Sair do grupo de países mais pobres para se tornar uma referência em educação e uma das nações mais
avançadas tecnologicamente não foi fácil. Após ter sido devastado por varias guerras até a década de 70, 
o país ver na educação uma saída para se reerguer. Em 1980, a nova prioridade do governo era acabar 
com o analfabetismo e investir no ensino médio e técnico para a formação de profissionais que possam 
trabalhar em empresas de tecnologia de ponta. 

Educação: Brasil X Coréia do Sul

As diferencias entre a educação no Brasil e na Coréia do Sul são gritantes, enquanto a Coréia lidera o 
ranking do pisa o Brasil se encontra no penúltimo lugar da lista, as notas obtidas foram: 63º lugar em 
ciências, 59º em leitura e 66º em matemática. A evasão escolar, a desvalorização do professor, tanto 
no quesito salarial quanto na segurança, onde por vezes muitos são agredidos por alunos e a falta de 
investimentos nas escolas públicas são apenas alguns dos problemas que o Brasil enfrenta.  Diante disso, o que todos os países tiram como lição é um modelo de educação que deveria ser adotado há séculos para a 
construção e sucesso de uma nação.


terça-feira, 24 de novembro de 2020

"Coreia do Sul deu salto ao priorizar ensino básico – ao contrário do Brasil"

 

Até 35 anos atrás, os sul-coreanos eram mais pobres do que os brasileiros. O PIB (Produto Interno Bruto) per capital do país asiático era inferior ao do Brasil. Hoje, não há comparação possível e os números da Coreia do Sul são três vezes mais altos: em torno de 27.200 dólares contra 8.600 dólares do Brasil, segundo o Banco Mundial.

O salto pode ser em grande parte explicado por uma revolução educacional iniciada décadas antes. E a principal razão é clara: diferentemente do modelo brasileiro, a prioridade no país asiático são investimentos em educação básica.

LEIA TAMBÉM: Ao priorizar ensino superior, Brasil abandona educação infantil

Na Coréia do Sul, por exemplo, os valores gastos com o ensino básico são quase três vezes maiores do que no Brasil: US$ 9,3 mil por aluno ao ano no país asiático contra US$ 3.822 no Brasil, de acordo com dados de 2013 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

Outros dados da OCDE mostram que, mesmo desconsideradas as diferenças econômicas entre os dois países, a distância é significativa: na Coreia do Sul, para cada dólar investido no ensino básico, 1,50 é aplicado no ensino superior, naturalmente mais caro. Já no Brasil, o desequilíbrio é muito maior: quatro dólares gastos no ensino superior para cada dólar gasto no ensino básico. 


A diferença também está no modelo de investimento. Na Coréia, escolas de ensino médio são subsidiadas em 80% do seu orçamento pelo Ministério da Educação, Ciência e Tecnologia, enquanto os outros 20% vêm de anuidades pagas pelos pais dos alunos. O ingresso é feito por meio de testes padronizados, administrados pelo governo, que também subsidia a anuidade dos alunos de baixa renda. E o mesmo ocorre no ensino superior, onde todas as universidades cobram anuidades, inclusive as públicas. 

Base sólida 

Os investimentos em ensino secundário e superior cresceram somente após a universalização do ensino primário. Uma parcela deles é voltada para os professores, que são altamente capacitados, tem plano de carreira em regime de exclusividade e altos salários na educação básica. No Brasil, claro, a situação é oposta: professores com maior formação e salários mais altos estão no ensino superior. 

VEJA MAIS: Voucher educacional é tratado como solução provisória no Brasil - mas não deveria

“Encontrei um professor que era autor do livro de matemática usado por todas as escolas do país dando aula para o nível médio. Lá, os melhores professores estão no ensino básico”, diz José Paulo da Rosa, doutor em Educação pela PUC-RS, autor de uma tese que compara os sistemas educacionais brasileiro e coreano. 

Com altos salários e alta capacitação, a profissão é símbolo de prestígio na sociedade coreana. "Professores são vistos pelas autoridades como cruciais para o projeto nacional e elas não costumam criticá-los publicamente”, afirma Paul Morris, professor do Instituto de Educação da Universidade de Londres. 

Fatores conjuntos

Características econômicas e geográficas da Coréia do Sul contribuem para o foco na formação de alta capacidade. “Não temos recursos naturais suficientes; os únicos recursos que temos são os humanos. Então se tivermos todo mundo equipado com educação superior, será melhor para o nosso país”, explica Kim Mee Suk, pesquisador do Instituto Coreano par Saúde e Assuntos Sociais. 

Esse sentimento é reforçado no ambiente familiar; pais são os principais incentivadores dos filhos: o envolvimento na comunidade escolar faz a diferença no desempenho dos alunos, já que as famílias participam diretamente na administração da escola e, conhecendo e participando do processo de gestão, tendem a exigir maior dedicação. 

Valorização 

As diferenças ficam ainda mais evidentes ao final do ensino médio. No Brasil, em 2014, 19% dos adolescentes concluíram o ensino médio na idade certa – até os 17 anos. No mesmo período, 1,3 milhão de jovens entre 15 e 17 anos abandonaram os estudos. Já na Coreia do Sul, 93% dos jovens terminam essa fase no tempo correto e o índice de evasão é praticamente inexistente. 

De acordo com o Pisa (Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes), os alunos sul-coreanos lideram o ranking mundial de desempenho em matemática, ciência e leitura. Os resultados práticos são mais jovens ingressando no ensino superior e entrando para o mercado de trabalho como mão de obra altamente capacitada: em 2011, 82% dos jovens sul-coreanos estavam matriculados em universidades, enquanto no Brasil o número frequentando o ensino superior no mesmo ano atingiu 18%. 

As escolas são avaliadas anualmente por grupos externos formados pelas secretarias estaduais de educação. A avaliação não é punitiva; o foco está em recompensar o mérito das escolas e professores com melhor desempenho. Os resultados são divulgados publicamente: escolas com melhor desempenho são recompensadas com bônus do Ministério da Educação; por outro lado, aquelas com desempenho abaixo do esperado recebem aconselhamento administrativo para os pontos que precisam evoluir. 

Os professores também são avaliados pelos diretores das escolas, mas não há autonomia para oferecer recompensa, tampouco punição por baixo desempenho. O que se oferece são pacotes de incentivos para melhorias: um dos maiores é o título de Professor Mestre, que vem acompanhado de um aumento no salário mensal e oportunidades de estudo no exterior. “Não tem segredo. É apenas uma questão de efetivamente de valorizar a educação”, conclui José Paulo da Rosa."

Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/coreia-do-sul-deu-salto-ao-priorizar-ensino-basico--ao-contrario-do-brasil-0t7zs2apxhtbspap3kdhdbvii/

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https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/coreia-do-sul-deu-salto-ao-priorizar-ensino-basico--ao-contrario-do-brasil-0t7zs2apxhtbspap3kdhdbvii/





China, Cingapura e Japão figuram no topo do ranking de educação

Apesar de desempenho mediano em leitura, os estudantes japoneses obtiveram ótimas notas em ciência e matemática.

Os estudantes de China, Cingapura e Japão obtiveram excelente desempenho em leitura, em matemática e em ciência no mais importante ranking mundial de educação. O resultado é do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), divulgado na terça-feira (3).
No topo do ranking internacional, a China, embora não participe como um único país, mas sim apenas com regiões específicas, conseguiu liderar o ranking nas três disciplinas (leitura, matemática e ciência).
A região compreendendo Pequim-Xangai-Jiangsu-Guangdong (chamada de P-X-J-G pela OCDE) ficou nas primeiras colocações. Mas Macau e o território semiautônomo de Hong Kong conseguiram entrar no top 10 em todas as provas, e Taipei ficou entre os dez melhores em matemática e ciências.
Outras duas potências asiáticas, Coreia do Sul e Japão, também figuram entre os melhores países do mundo no Pisa 2018-2019. As demais posições são ocupadas por países europeus e o Canadá.
Já o Brasil não conseguiu registrar avanços significativos no desempenho dos estudantes em nenhuma das disciplinas. Embora apontem ligeiro aumento da nota média, os estudantes brasileiros seguem entre os últimos 10 colocados na prova de matemática.
O exame, cujas provas foram aplicadas no ano passado, é realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os resultados negativos para a educação brasileira foram verificados mesmo com a expansão da lista dos países participantes, que passaram de 70 para 80.
Avaliação do Pisa
O Pisa é uma avaliação mundial feita em dezenas de países, com provas de leitura, matemática e ciência, além de educação financeira e um questionário com estudantes, professores, diretores de escolas e pais;
O resultado é divulgado a cada três anos – a edição mais recente foi aplicada em 2018 com uma amostra de 600 mil estudantes de 15 anos de 80 países diferentes. Juntos, eles representam cerca de 32 milhões de pessoas nessa idade;
O mínimo de escolas exigidas pela OCDE é 150;
A prova é aplicada em um único dia, é feita em computadores, e tem duas horas de duração. As questões são objetivas e discursivas;
A cada edição, uma das três disciplinas principais é o foco da avaliação – na edição de 2018, o foco é na leitura.

China passa Cingapura
A China ultrapassou Cingapura porque obteve excelente média em todas as três disciplinas, o que não ocorreu com os estudantes japoneses que, apesar de obterem ótimas notas em ciência (5º) e matemática (6º), pecaram na prova de leitura (15º). Clique aqui para saber mais sobre os resultados do Japão (documento em PDF).
Confira, abaixo, o TOP 10 do Pisa 2018-2019:
 

Resultados do Pisa 2018-2019 | Fonte: OCDE / Montagem Mundo-Nipo.com
MN – Mundo-Nipo.com
Fonte Principal: OCDE/PISA.
https://mundo-nipo.com/noticias-2/03/12/2019/china-cingapura-e-japao-figuram-no-topo-do-ranking-de-educacao/

Vouchers na Educação: o desmonte do ensino público


Proposta de Guedes privilegia setor privado ao deixar de direcionar recursos às escolas – e obrigá-las à lógica da concorrência. Mais abastados poderão usar ticket para complementar mensalidade. Aos pobres, sobrará um ensino ainda mais deteriorado

OUTRASMÍDIAS

DIREITOS OU PRIVILÉGIOS?

por EPSJV/Fiocruz

Publicado 05/02/2020 às 12:51 - Atualizado 05/02/2020 às 12:52

 

Roberto Leher, em entrevista à Beatriz Mota EPSJV/Fiocruz

Enquanto o ministro da educação Abraham Weintraub tenta sobreviver a uma crise gerada pelas falhas de correção no Enem, vem de fora da pasta (e do país) o anúncio que pode impactar fortemente o futuro da educação no Brasil. No Fórum Econômico Mundial, em Davos, o ministro da Economia Paulo Guedes afirmou que haverá um “gigantesco” programa de distribuição de vouchers para a educação infantil. A ideia é que os cupons – que funcionam como uma espécie de cheque – sejam entregues diretamente às famílias das crianças, para que elas possam escolher “livremente” onde aplicar esses recursos: em mensalidades de creches e escolas privadas ou públicas.

Guedes apresentou a medida como parte da estratégia do governo federal pela diminuição da desigualdade social, quando, entretanto, as maiores críticas a este modelo residem justamente no aprofundamento das disparidades entre oportunidades educacionais. A experiência em maior escala da proposta aconteceu no Chile, a partir de 1980, implantada por economistas liberais discípulos da mesma corrente de pensamento que o ministro brasileiro, a Universidade de Chicago. Um relatório publicado em 2018 pela Universidade do Colorado apontou os efeitos nocivos da política de vouchers no país latinoamericano: as escolas públicas das regiões mais pobres passaram a ter que concorrer pelos recursos públicos com as instituições privadas e com as públicas mais bem localizadas e, portanto, com melhores resultados. Dessa forma, o estrato mais rico da população continuou tendo acesso às melhores escolas, enquanto as pessoas com menos renda ficaram reféns de instituições cada vez mais precárias.

Para entender melhor as possíveis consequências da adoção dos vouchers no Brasil, o Portal EPSJV/Fiocruz entrevistou Roberto Leher, pesquisador da área de educação e ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Leher é enfático em suas críticas e prevê a instalação de um modelo perverso que geraria um “apartheid educacional” no país, penalizando setores mais pobres, explorados e expropriados da sociedade. “Muitos objetivos políticos estão convergindo para a política de vouchers, por isso entendo que este é um dos acontecimentos mais graves do governo Bolsonaro”, afirma Leher.

O pesquisador articula a medida com outras políticas e propostas em curso no país, que, segundo ele, têm como objetivo “enterrar a Constituição de 88”, alerta para um futuro de professores “uberizados”, com jovens formados como força de trabalho degradada, e ainda refuta a ideia de liberdade de escolha para as famílias de estudantes: “É uma falsa escolha. As famílias estarão escolhendo qual é a escola menos precária que eles terão acesso com seus vouchers. As desigualdades gerais das sociedades só vão aumentar”. Leia a entrevista:

A fala do ministro Paulo Guedes no Fórum Econômico Mundial, semana passada, veio a partir de um questionamento a respeito da agenda do Brasil relacionada à diminuição da desigualdade social. Sabemos que políticas de acesso à educação são essenciais para transformação desta realidade, mas é na distribuição de vouchers que a discussão deveria estar centrada, na sua opinião?

No Brasil, nós sabemos que o processo de implementação de vouchers tende a aumentar muito a desigualdade da oferta de educação, sobretudo penalizando setores mais pobres, explorados e expropriados da sociedade. É importante destacar que o modelo que Guedes seguramente reivindica é o modelo original do Chile. Nesse modelo, as famílias, ao receberem vouchers, podiam fazer opções entre as escolas públicas e as escolas privadas. As escolas públicas das periferias não têm outra receita senão os próprios vouchers. A população pobre não pode desembolsar recursos e fins próprios para complementar o valor da mensalidade, enquanto as famílias de setores mais favorecidos, das classes médias e altas, utilizavam o voucher como uma parte do pagamento.

E o que esta política ocasionou socialmente no Chile?

As marchas dos estudantes, em 2006, pelo movimento Pinguim [os estudantes chilenos foram apelidados assim por se vestirem de terno e gravata], demonstraram de maneira muito contundente que as escolas financiadas exclusivamente pelos vouchers eram muito degradadas, porque o valor não assegura o custeio básico adequado para elas. Então, na realidade, nós tivemos o pior cenário possível. Ou seja, de um lado as escolas voltadas para os setores mais pauperizados, mantidas pelos vouchers, em condições cada vez mais precárias. E, de outra parte, os setores das classes médias, os setores dominantes, em geral, com recursos muito mais relevantes, porque o voucher era apenas uma parte do pagamento da mensalidade. As famílias complementavam com recursos próprios as mensalidades.

As escolas privadas do Chile, por sua vez, fazem seleção dos estudantes, ou seja, já há uma seleção prévia, o que mascara os resultados educacionais. Essas instituições privadas que recebem voucher, além de terem um montante de recursos muito maior (voucher + mensalidade), são escolas seletivas. Com isso, nós tivemos, no caso chileno, um modelo extremamente perverso, que está na base da Revolta dos Pinguins e que chegou a mobilizar 20% da população do Chile – algo único na história das lutas pela educação pública. É uma mobilização que está na base do atual levante social que ainda está em curso no Chile. Diversas desigualdades permaneceram e isso é percebido hoje, pela população, como uma política nefasta.

Apesar da experiência mais próxima do Chile, em Davos o ministro apontou os investimentos em educação no Japão e na Coreia do Sul como inspirações. Podemos comparar a realidade educacional desses países com a do Brasil?

Países como Japão e Coréia estão em forte decréscimo populacional. O Japão é, hoje, um país em que a população e a unidade escolar estão encolhendo de forma muito acentuada. A opção do Japão foi não abrir o país aos imigrantes, e portanto eles têm um sistema educacional bastante homogêneo. A desigualdade social prévia, que é o grande problema dos vouchers, não existe por lá.

Mas mesmo países que utilizaram voucher e que têm igualdade social muito mais relevante do que a brasileira, como é o caso, por exemplo, da Suécia, não tiveram bons resultados. O próprio Ministério da Educação da Suécia disse ter sido uma má experiência, porque aumentou a desigualdade educacional. No caso da Suécia, isso ocorreu especialmente porque existe população imigrante. O voucher é uma política de indução, de diferenciação e competição interna das escolas.

O argumento da concorrência vem de um dos maiores defensores do voucher, Milton Friedman (1912-2006), prêmio Nobel de Economia e professor da Universidade de Chicago, da qual Guedes e os economistas liberais do Chile foram alunos… Após a ideia ter sido posta em prática e fracassado em países de realidades diferentes, já se pode dizer que esse é um argumento falho?

Sim, acredita-se que o benefício que o voucher traz é: quanto maior a competição, quanto mais concorrerem entre si pelos recursos, melhor as escolas vão se estruturar, vão investir na sua capacitação, etc. O que não se verifica no mundo real.

Na realidade, a escola pública é algo que – nas revoluções liberais, desde a Revolução Francesa, a Revolução Gloriosa, na Inglaterra, a Revolução Americana – sempre esteve associada a uma ideia do que uma nação gostaria de compartilhar com todo povo. A população tem muita mobilidade e há conhecimentos que devem ser de apropriação universal. Isso gera uma perspectiva de escola pública referenciada, um conceito complexo, que é a noção de cidadania. Ou seja, a escola assegura condições, ou deveria assegurar, para o exercício da cidadania, uma perspectiva muito mais ampla do que a formação de capital humano.

Hayek [Friederich Hayek, da Escola Austríaca de pensamento econômico], quando defende a utilização de mecanismos de mercado na educação básica, está, justamente, voltando-se contra a perspectiva da cidadania. Nesse caso, ele é mais radical do que o próprio Friedman, pois o que vale é os indivíduos competirem entre si. Portanto, a lógica neoliberal da educação é, essencialmente, uma lógica individualista. São os indivíduos que fazem escolhas no mercado, com seus vouchers, e a partir dessas escolhas os indivíduos mais empreendedores, mais agressivos, com maior capacidade de competição, irão optar pelas escolas que valorizam essa sua qualidade, de ser um indivíduo mais competitivo, de maior capacidade de se sobrepor aos outros no mercado. Isso desestrutura o sistema de educação, é uma política que inviabiliza qualquer horizonte de elevação geral da cultura, enfim, do conjunto da população. É o fim da experiência que se consolidou no século 19 de que a educação pública é um dever do Estado.

O que a política de vouchers indica, no Brasil, em relação ao entendimento da construção de cidadania e direitos sociais associados à educação pública e garantidos hoje pela Constituição?

A proposta é coerente com a política mais geral que está em curso no Brasil, expressa pelo próprio Guedes, de que a Constituição de 1988 tem que ser enterrada. Ou seja, não é mais possível, no padrão de acumulação no capital de hoje, o país ter uma constituição com os conceitos, princípios e diretrizes que estão presentes na Constituição de 1988. Os conceitos de Seguridade Social, de Saúde e de Educação, além de outras questões relativas ao uso social da terra, à proteção dos territórios indígenas… Enfim, tudo isso, na perspectiva de poder que hoje conduz a política econômica – representada pelo Guedes – coloca como estratégico o fim da Constituição de 1988.

O voucher é um subterfúgio para quebrar a centralidade da luta que os educadores e os setores democráticos têm relação à construção de um Sistema Nacional de Educação. Um sistema que é diverso, mas com princípios orientadores, valores comuns sobre o direito ao conhecimento, sobre a liberdade de cátedra, sobre a possibilidade de transformar cada escola no espaço que tenha a vibração da vida. Uma escola que seja pujante, que seja criadora, na qual as crianças se apaixonem pela ciência, pela cultura.

É isto que está em jogo, porque com os vouchers, não há perspectiva de ter alguma coisa comum no país. Ao contrário. Nós vamos ter as disparidades regionais e, dentro de cada região, as disparidades locais muito exarcebadas, naturalizando um apartheid educacional. Ou seja, nós vamos ter verdadeiros ‘bantustões’ [regiões criadas pelo regime do apartheid na África do Sul para manter os negros fora dos bairros de brancos], em que as crianças e os jovens ficarão com escolas de pobres, enquanto que os setores mais favorecidos podem se valer do seu voucher, para ser apenas uma complementação das suas mensalidades.

A quais interesses políticos, econômicos e ideológicos o uso de vouchers atende?

Os vouchers são uma forma de viabilizar a mudança estrutural na educação, a partir de uma conjunção de interesses extremamente poderosa: primeiro, da pequena política municipal, já que as escolas de Educação Básica são essencialmente escolas municipais e estaduais. A rede federal é uma ínfima perto do conjunto. Assim, o prefeito e o governador poderão operar politicamente por meio dos vouchers, como se fosse um favor de partido, da corrente política, de estar lá garantindo para aquela família o seu direito.

Segundo, contemplam o interesse das grandes corporações de educação, que, com a crise do Fies, estão buscando novos nichos de mercado. Eu me refiro aqui às empresas que tem capital na Bolsa, que são grandes corporações educacionais. A existência de vouchers seria a alavancagem do setor privado e mercantil. E os vouchers criariam condições de segmentar mais, como já estão segmentando, as escolas para tipos de estudantes diferentes. Essa é a essência dessa política. Ou seja, vai haver um tipo de escola para os pobres e um tipo de escola para alunos com tíquetes acima de R$ 2 mil, R$ 3 mil reais. Na educação básica, esse é um outro público, que serve para as corporações.

Em outra parte, atende também aos setores fundamentalistas, que apoiam o governo no parlamento. A bancada evangélica tem muito interesse nos vouchers, porque isso permitiria que eles elevassem o seu aparato educativo associado à sua religiosidade. É, justamente, o encontro de fundamentalismos, porque contempla tanto os adeptos do livre mercado selvagem, radical, como também aos fundamentalistas religiosos.

Movimentos como o Escola Sem Partido são contemplados por esta política?

O voucher é um instrumento para permitir que a educação pública seja alforriada do Estado e deslocada para a esfera do mercado. É seguro que muitos objetivos políticos estão convergindo para a política de vouchers, por isso que eu entendo que este é um dos acontecimentos mais graves do governo Bolsonaro. Com isso, teremos a supremacia das construções religiosas e das grandes corporações, que estão segmentando o mercado, mas também objetivos políticos que estavam subjacentes à Escola Sem Partido e outros movimentos.

Futuramente teremos consequências muito graves para o afastamento do Brasil da ciência contemporânea. Porque, com essa política perseverando, o país vai ficar em desconexão com a ciência do século 21, que busca perspectivas interdisciplinares. Temos muitos problemas estruturais neste século: com as consequências de mudanças climáticas, de problemas futuros com recursos hídricos, da proliferação de doenças, de arboviroses, o caso da China agora… E a ciência deve ser um acervo, deve ser um direito, deve ser um patrimônio da humanidade, para se poder pensar e transformar o mundo, para que nós não caiamos na  completa barbárie.

Nós estamos em um ambiente muito estranho, em que prevalece a chamada pós-verdade. Não há compromisso ético com a verdade. Há uma ofensiva contra um conceito de ciência como patrimônio da humanidade, da validade dos conhecimentos científicos, que obviamente sempre estão abertos a problematizações, questionamentos… Mas existem formas de validação do conhecimento científico que possibilitam que ele tenha um rigor, e seja explicativo da natureza, da sociedade, do mundo real. Tudo isso está sendo pasteurizado na perspectiva de que a ciência é apenas mais um discurso, ela é uma ficção verbal, então não há compromisso de coerência no discurso e os fatos do mundo real. Vimos isso em diversos momentos, nas questões relativas ao desmatamento na Amazônia, das queimadas, do aumento do trabalho precário, no Brasil, com o IBGE, enfim, diversos momentos. Infelizmente nós estamos encontrando esse tipo de formulação.

Após anunciar a política de vouchers, Guedes atribuiu a desigualdade brasileira a dois aspectos: o acesso à educação e aos altos impostos no trabalho. De que maneira a medida educacional apresentada está articulada especificamente com a política trabalhista em curso no Brasil?

É evidente que uma escola que se mantém por meio de voucher é uma escola que tem que perseguir de maneira mais radical possível a redução de custos. Daí, virão professores ‘uberizados’, não sindicalizados… Essa é uma experiência que aconteceu nos Estados Unidos, com muitas greves para lutar contra o cerceamento de ingresso de professores sindicalizados. O fato de o professor ter se sindicalizado em algum momento pode ser um fator impeditivo para que ele possa ter um emprego na escola mantida pelos vouchers.

O Brasil, infelizmente, está sendo pensado a partir da reforma trabalhista, da reforma da Previdência, e de todas as formas de hiperterceirização, inclusive das atividades fins, como o paraíso do trabalho simples, e não do trabalho complexo. Então, é também um horizonte para formação humana, da maior parte da juventude brasileira, como força de trabalho degradada, simples, expropriada. Recente estudo mostra que, de fato, o Brasil não cria empregos, hoje, acima de dois salários mínimos. Nós estamos nos convertendo num grande bolsão de força de trabalho superexplorada.

Mas um dos argumentos da utilização dos vouchers é relacionado justamente à liberdade das famílias na escolha do melhor ensino para o futuro de seus filhos…

O tema da liberdade de ensino foi um grande tema que polarizou as discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases, em 1961, que anunciava que setores da sociedade civil estavam conspirando abertamente contra a democracia, o que acabou se confirmando com o Golpe de 1964. O discurso de hoje tem semelhanças com aquele de 1961, porque a perspectiva era de que a escola pública seria uma escola que iria doutrinar, padronizar a formação da juventude, e isso feriria o direito das famílias de assegurar a melhor educação aos seus filhos.

Esse é um discurso que é retomado, nos dias de hoje, e que tem a ver com o momento de expansão política da bancada evangélica e também com um projeto de poder que está em curso, que é incompatível com a existência de perspectivas de cidadania, de direito social, de direito humano e de um pensamento crítico. Tudo isto, hoje, infelizmente, afirma-se como um projeto em que os setores econômicos e os setores fundamentalistas estão caminhando de mãos dadas.

Qual seria a fundamentação do direito de escolha? A família com um cheque vai poder fazer a escolha que for mais adequada para os seus anseios, e para suas perspectivas, para os seus horizontes de vida? Em primeiro lugar, é importante destacar que as famílias provenientes dos setores mais explorados, expropriados, que moram nas favelas, nos territórios de maior pobreza, terão que forçosamente fazer escolhas com escolas diferenciadas daquelas dos setores mais favorecidos da sociedade. Elas terão que se contentar com escolas em seus próprios territórios: a mobilidade social na cidade não comporta o deslocamento de milhões de crianças em busca de escolas “de maior prestígio”. Até porque essas escolas não têm vaga e, sobretudo, as privadas fazem seleção.

É uma falsa escolha. Elas terão que escolher, na realidade, escolas do seu próprio contexto, e que rigorosamente não se mantém com os vouchers. Nessas escolas, os vouchers são a maneira de empurrar para baixo o gasto educacional. Isso é dito como um gasto mais eficiente, o que vai ser um menor gasto, porque terá menos recursos. Os professores não têm carreira, não têm reconhecimento da sua qualificação, quando fazem especialização, mestrado e doutorado, porque as escolas não têm atividades mais diversificadas, como oficinas de leitura e atividades vinculadas à arte, à cultura, laboratórios de ciência. As instituições terão que enxugar muito os seus gastos.

Então, as famílias estarão escolhendo qual é a escola menos precária que eles terão acesso com seus vouchers. As desigualdades gerais das sociedades só vão aumentar. Porque a escola pública é mais democrática que a sociedade. Se nós olharmos o perfil social dos estudantes que estão chegando à universidade pública, ele é muito mais democrático do que a sociedade. Ou seja, se pegarmos os 40% mais pobres e, sobretudo, 20% mais pobres da população brasileira, há uma participação percentual maior na universidade pública do que eles têm em relação a outras dimensões sociais, em relação a salário, em relação à moradia, em relação às condições de habitação, saneamento. A escola pública tem uma composição mais democrática do que a estrutura da sociedade. Isso é uma herança positiva e muito relevante, da própria perspectiva Iluminista, que vem da Revolução Francesa, e que, de certa forma, orienta grande parte dos debates sobre a escola pública do século 19 e início do século 20.

O anúncio da política de vouchers se articula com o adiamento da discussão e renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização de Profissionais da Educação (Fundeb) – principal fonte de financiamento da educação básica pública no Brasil, que tem vigência apenas até 2020? É possível pensar financiamento da Educação, hoje, sem abordar o Custo Aluno-Qualidade (CAQ), previsto pelo Plano Nacional de Educação e ainda não implementado?

Os vouchers são uma forma do governo federal  estruturar um aparato político, em todo país, em que a autonomia relativa dos municípios e dos estados vai ser desconsiderada. O Fundeb, com todos os seus imensos limites, estabeleceu parâmetros que reduziram as disparidades regionais. Mas o Fundeb não avançou na redução das desigualdades, justamente porque o Custo Aluno-Qualidade de hoje não permite uma elevação do orçamento e da qualidade da educação pública.

Nós temos que lembrar que foi aprovada uma lei [do Plano Nacional de Educação], que tem seus problemas, mas que determinou que o país alcançasse, em 10 anos, 10% do PIB. Hoje, o país gasta 5% do PIB, e, portanto, o tema do Fundeb é sobre como vamos chegar, em última instância, nos 10% do PIB. Para elevar os gastos da educação com resultados efetivos, um gasto racional, que efetive melhoria da escola pública, precisamos implementar o CAQ. Assim, nós podemos ter uma mirada para escola pública não apenas como uma escola de pobre, para pobre, mas como uma instituição da nação. Uma instituição estratégica, que assegura direitos, e nós precisamos muito assegurar esses direitos da juventude.

Uma escola pública, hoje, é necessariamente uma instituição muito complexa, porque a ciência, a tecnologia, a cultura, a arte, as linguagens, se complexificaram enormemente. Então, nós precisamos de escolas públicas com infraestrutura de bibliotecas, para esportes, para área de cultura e de artes, para área da ciência, salas e laboratórios de ensino. Sobretudo, nós precisamos assegurar uma assistência estudantil que proteja as crianças provenientes dos setores mais expropriados, frente à pressão econômica, para que elas possam se manter na escola.

Então, precisamos elevar os gastos com a educação. Hoje, nas condições que temos no país, sobretudo, pensando a curto e médio prazos, nós precisamos de um mecanismo que corrija essas desigualdades, essas disparidades regionais. E o Fundeb, lastreado no Custo Aluno-Qualidade, pode ser uma ferramenta muito importante para isso.

É importante destacar que a União aporta, aproximadamente, somente 10% dos recursos do Fundeb, e o resto fica por conta dos estados e municípios. De 5% do PIB que o país gasta com toda educação – da educação infantil à graduação das universidades públicas – aproximadamente, 3,85% vêm dos estados e municípios. A União só comparece com 1,2% do PIB.

https://outraspalavras.net/outrasmidias/vouchers-na-educacao-o-desmonte-do-ensino-publico/


Professor de ensino médio no Brasil tem metade do salário de país rico e recebe menos que chileno

Educação


Paulo Favero


8 de Setembro 2020

Salários reais médios dos profissionais chegam a US$ 24.765 por ano no ensino infantil; valor aumenta para US$ 25.005 no ensino fundamental

O Brasil é um dos países cujos professores têm pior remuneração, segundo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre educação divulgado nesta terça-feira, 8. O documento mostra que a remuneração de um docente brasileiro no ensino médio é cerca de metade da média dos países ricos (a maioria entre as nações que compõem a OCDE) e é menor até do que o outro sul-americano do estudo, o Chile.

Pesquisas já mostraram que professores bem preparados elevam significativamente as chances de aprendizagem e sucesso dos estudantes no futuro. Esse efeito é ainda maior entre os alunos mais vulneráveis. A remuneração mais elevada, segundo parte dos especialistas, é uma estratégia para tornar a carreira mais atratativa para novos profissionais e para reter talentos.

"No Brasil, os salários reais médios dos professores chegam a US$ 24.765 no ensino infantil (inferior à média da OCDE de US$ 38.677), US$ 25.005 no ensino fundamental inicial (inferior à média da OCDE de US$ 43.942), US$ 25.272 no fundamental anos finais (inferior à média da OCDE de US$ 46.225) e US$ 25.966 no ensino médio (inferior à média da OCDE de US$ 49.778)", diz o relatório, se referindo a valores anuais. Esses dados incluem também remunerações de diretores de escolas. No caso do Chile, esses salários médios são US$ 28.183 para educação infantil; US$ 27.708 nos anos iniciais do fundamental; US$ 28.358 nas séries finais do fundamental e US$ 29.967 no ensino médio.

O documento explica que essas quantias refletem os salários reais, incluindo pagamentos adicionais relacionados ao trabalho. É um valor de média, pois o salário de um professor depende do nível de experiência e de sua qualificação profissional, de sua idade e até do lugar em que dá aulas. Desde 2009, a legislação brasileira prevê um piso para o magistério. Esta referência vale para o docente da rede pública em início de carreira, com formação em nível médio (nos casos de professores da deducação infantil e dos anos iniciais do fundamental) e carga semanal de 40 horas. É calculado com base no valor anual mínimo por aluno de repasse do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais do Magistério (Fundeb). O valor atual deste mínimo é de R$ 2.886,24 (2,7 salários mínimos).

Além da dificuldade de o professor brasileiro receber salários mais altos, outro ponto que a pesquisa aborda é o fato de que muitos educadores estão perto da aposentadoria e há preocupação com a reposição dos quadros docentes. Isso ocorre não apenas no Brasil, mas em diversos países do mundo.

"Uma grande parte dos professores em muitos países da OCDE atingirão a idade de aposentadoria na próxima década, enquanto o tamanho da população em idade escolar deverá aumentar em alguns países, colocando muitos governos sob pressão para recrutar e treinar novos professores. No Brasil, 11% dos professores do ensino fundamental são considerados jovens (com menos de 30 anos), o que é um pouco abaixo da média da OCDE, de 12%", afirma.

"Em média, nos países da OCDE, a proporção de jovens professores diminui em outros níveis de ensino, para 10% no ensino fundamental anos finais e 8% no ensino médio. No Brasil, a proporção de jovens professores permanece a mesma, por volta de 10% em ambos os casos", do relatório.

https://www.terra.com.br/noticias/educacao/professor-de-ensino-medio-no-brasil-tem-metade-do-salario-de-pais-rico-e-recebe-menos-que-chileno,b6dc9a7dc0634842732923bfbc22283auv7dw9h4.html


No Chile, educação é cara, elitista e gera angústia nos jovens

 




CARTA CAPITAL

EDUCAÇÃO

No Chile, educação é cara, elitista e gera angústia nos jovens

Dívidas educacionais de milhões de dólares, que crescem como consequência das taxas de juros, são um dos pilares das manifestações no Chile

 5 DE NOVEMBRO DE 2019


JOVEM CHILENO BALANÇA ENORME BANDEIRA DO CHILE DURANTE PROTESTOS NA CAPITAL SANTIAGO - FOTO: CLAUDIO REYES/AFP

Com empréstimos comparáveis aos imobiliários, instituições com preços nas alturas e um sistema de dívida protegido pelo Estado, a educação no Chile acabou se tornando um eixo dos mais graves conflitos sociais dos últimos 30 anos.

“Atualmente não sei quanto devo porque, com os juros, devo mais do que o valor total original. Fui somando e somando e tive que contratar um empréstimo para pagar os juros do meu primeiro empréstimo”, conta a jornalista Paulina Gómez, de 34 anos, à AFP.

Duas semanas após o início dos protestos no país, durante uma manifestação cidadã – como tantas que acontecem nos últimos dias em Santiago – sobre a questão do endividamento estudantil, os depoimentos se sucedem e mostram o mesmo quadro: relatos de dívidas de milhões de dólares que crescem como consequência das taxas de juros que sufocam os jovens.

Aval do Estado

“No final dos anos 90, os recursos do Estado eram insuficientes para os estudos, o que gerou o endividamento”, explica Gonzalo Muñoz, especialista em educação e professor da Universidade Diego Portales.

Foi nessa época que nasceu o CAE (Crédito com Garantia do Estado), um dispositivo financeiro que se encaixa perfeitamente no modelo neoliberal instalado no Chile e que é o centro da revolta dos manifestantes.

Guillermo Jobia, um advogado de 24 anos recentemente formado, disse à AFP que pagou para estudar o equivalente a um imóvel, sendo estagiário.  “Estou com dívidas de até 20 milhões de pesos (cerca de 27 mil dólares) e acho que não vou terminar de pagar”, declara.

A maioria dos jovens chilenos trabalha durante a graduação, mas em empregos precários e mal remunerados, em um país onde o salário mínimo é de aproximadamente 420 dólares.

Gunther Birchmeier, 30 anos e que trabalha como garçom à noite e nos fins de semana, não pôde juntar os 550 dólares por mês que seus estudos custavam. “A universidade me bloqueou e eu não pude continuar estudando”, lamenta.

Ele pagou os empréstimos que recebeu cinco anos atrás, mas ainda restam outros. “O problema são os juros porque uma coisa é o que eles emprestam e a outra são os juros. “Me emprestaram 10 milhões de pesos (cerca de 13 mil dólares) e estou pagando uns 20 milhões, 100% a mais”, calcula.

Empregado em uma empresa de segurança cibernética, Gunther economiza tudo o que pode. “Estou de mãos marradas. Se eu for demitido, não vou ter como pagar”.

Angústia

Para Paulina, a agência responsável pela cobrança de dívidas “assedia” os alunos com cartas e telefonemas, inclusive em seu local de trabalho. “Atualmente não pago porque não tenho liquidez e, se pagasse, teria que pagar apenas os juros, que são mais ou menos 5 milhões de pesos” (cerca de 6.700 dólares).

“Os políticos desse país têm de nos dar uma solução definitiva para acabar com essa angústia, porque é angustiante ter que se privar de outras coisas para pagar os estudos, uma coisa que nunca acaba.”

Hoje, Paulina está preocupada com os estudos do seu filho de 10 anos. “No Chile, a educação pública é horrível: 40 alunos por turma com apenas um professor. Vamos apertar o cinto para que eles possam ir para uma escola particular…”.

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Reforma educacional no Chile

A educação no Chile é como um tema que reaparece em todos os movimentos sociais desde o final da ditadura, em 1990, como aconteceu em 2006 com a “rebelião dos pinguins”, assim chamada por conta da gravata azul e camisa branca do uniforme do ensino médio.

“Os mais jovens terão outras condições”, pensa Muñoz. “Essas dificuldades afetam aqueles que terminaram seus estudos nos últimos 15 anos. O sistema de Bachelet mudou as coisas”.

Em 2015, durante seu segundo mandato presidencial (2014-2018), Michelle Bachelet permitiu que jovens (60% mais carentes) acessassem gratuitamente os estudos universitários. Uma lei também acabou com um sistema de seleção impossível de entrar nas escolas públicas


https://www.cartacapital.com.br/educacao/no-chile-educacao-e-cara-elitista-e-gera-angustia-os-jovens/

terça-feira, 10 de novembro de 2020

OCDE define aplicação do Pisa para 2022

Como reflexo das dificuldades enfrentadas em função da pandemia de COVID-19, os países-membros e associados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) decidiram adiar a aplicação do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2021 para 2022 e do Pisa 2024 para 2025. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) é o órgão responsável pelo planejamento e a operacionalização da avaliação no Brasil. Normalmente, os testes são aplicados a cada três anos. 

O Pisa avalia três domínios – leitura, matemática e ciências – em todas as edições. A cada edição, é avaliado um domínio principal, o que significa que os estudantes respondem a um maior número de itens dessa área do conhecimento. O Pisa 2022 se concentrará em matemática, com um teste adicional de Letramento Financeiro, realizado desde 2015, e um teste inédito de Pensamento Criativo. Os preparativos para a avaliação estão em andamento em todos os países participantes. Já o Pisa 2025 se concentrará em ciências e irá incluir uma nova avaliação de língua estrangeira. 

Os resultados do Pisa permitem que cada país avalie os conhecimentos e as habilidades dos seus estudantes em comparação com outros países, aprenda com as políticas e práticas aplicadas em outros lugares, bem como formule suas políticas e programas educacionais, visando melhorias na qualidade e na equidade dos resultados de aprendizagem.

Pisa – É um estudo comparativo internacional, realizado a cada três anos pela OCDE. O Pisa oferece informações sobre o desempenho dos estudantes na faixa etária dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. Desde sua primeira edição, em 2000, o número de países e economias participantes tem aumentado a cada ciclo. Na última edição, em 2018, as provas e questionários foram aplicados em mais de 80 países. Há uma coordenação nacional em cada país participante. O Brasil participa do Pisa desde o início da avaliação.

http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/ocde-define-aplicacao-do-pisa-para-2022/21206

5 fatos que ajudam a entender o desempenho do Brasil no PISA POR NATÁLIA PASSAFARO

O Brasil teve uma leve melhora nas pontuações de leitura, matemática e ciências no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Os resultados da avaliação foram divulgados nesta terça-feira, 3, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

PISA 2018 foi aplicado em 79 países e regiões a 600 mil estudantes de 15 anos. No Brasil, cerca de 10,7 mil estudantes de 638 escolas fizeram as provas. O país obteve, em média, 413 pontos em leitura, 384 pontos em matemática e 404 pontos em ciências. Na última avaliação, aplicada em 2015, o Brasil obteve, 407 em leitura, 377 em matemática  e 401 em ciências.

As pontuações obtidas pelos estudantes colocam no nível 2 em leitura, no nível 1 em matemática e também no nível 1 em ciências, em uma escala que vai até 6. Pelos critérios da OCDE, o nível 2 é considerado o mínimo adequado. Ao todo, quase metade, 43,2% dos brasileiros ficaram abaixo do nível 2 nas três disciplinas avaliadas. Na outra ponta, apenas 2,5% ficaram nos níveis 5 e 6 em pelo menos uma das disciplinas.

“No Brasil, o desempenho médio em matemática melhorou entre 2003 e 2018, mas a maior parte dessa melhora aconteceu nos ciclos iniciais. Depois de 2009, em matemática, assim como em leitura e em ciências, o desempenho médio para flutuar ao redor de uma tendência de estagnação”, avaliou a OCDE.

O Brasil ficou abaixo das médias dos países da OCDE. Em leitura, os 37 países membros do grupo, composto por exemplo, por Canadá, Finlândia, Japão e Chile, obtiveram 487 pontos em leitura, 489, em matemática e 489, em ciências. Como na avaliação 35 pontos equivalem a um ano de estudos, o os brasileiros estão a pouco mais de dois anos atrás desses países.  Na OCDE, 15,7% dos estudantes estão nos níveis 5 e 6 em pelo menos uma disciplina e 13,4% estão abaixo no nível 2.

Leia+Qual o desempenho do Brasil no PISA 2018

O desempenho na avaliação posicionou o Brasil no 57ª lugar entre os 77 países e regiões com notas disponíveis em leitura, na 70ª posição em matemática e na 64º posição em ciências, junto com Peru e Argentina, em um ranking com 78 países. China e Singapura lideram os rankings das três disciplinas. O Brasil, nos três fica atrás de países latino americanos como Costa Rica, Chile e México. Supera, no entanto, Colômbia e Peru em leitura e a Argentina em leitura e matemática.

O Centro de Referências em Educação Integral elencou os principais resultados e conteúdos que podem ajudar a compreendê-los:

  1. Sobre a avaliação

“O caráter internacional do exame é fortemente questionado. Como conceber uma avaliação justa, que contemple as especificidades de contextos tão distintos quanto os de Brasil, China, Finlândia, Cazaquistão e Marrocos?” Em artigo, Rodrigo Ratier fala sobre a  a importância da avaliação e os pontos de debate.

+: PISA: muita importância para uma avaliação questionável

2. Os investimentos em educação

Olhar os investimentos em educação feitos pelos 36 países membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma das maneiras de interpretar o lugar do Brasil diante da realidade global. À primeira vista, estamos entre os países que mais investem em educação, mas essa matemática não é tão simples.

+: Afinal, o Brasil gasta muito ou pouco com educação?

+: A perspectiva histórica da redução de investimentos em educação

+: O impacto do teto de gastos nas políticas de educação

3. Não cumprimento do PNE

Em 2019, o Plano Nacional de Educação (PNE),  política que determina as diretrizes, metas e estratégias para a política educacional até 2024, chegou a metade de seu prazo de implementação. Das 20 metas estipuladas para garantir a qualidade da educação no país, apenas quatro tiveram avanços parciais.

+: Por que o PNE não saiu do papel

+: Plano Nacional de Educação: 90% das metas não serão cumpridas

4. Desigualdades

O nível socioeconômico dos alunos teve impacto no desempenho nas provas. No Brasil, a diferença de desempenho entre aqueles com nível socioeconômico alto e aqueles com nível baixo, foi de 97 pontos em leitura, o que equivale a quase três anos de estudo. Essa diferença superou a média da OCDE, que é de 89 pontos.

Entre as meninas com as melhores performances, cerca de 2 a cada 5 esperam trabalhar em profissões ligadas à saúde. Entre os meninos, 1 a cada 4 esperam seguir as mesmas carreiras.

Crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil

Quando o assunto é desigualdade de gênero na educação, meninas têm melhor desempenho que meninos em leitura. Elas obtiveram 30 pontos a mais na prova, o que equivale a quase um ano de estudos de diferença em relação aos meninos. Os meninos, no entanto, superaram as meninas em cinco pontos em matemática entre os países da OCDE. No Brasil, a diferença foi maior, de nove pontos a mais para eles, em média.

De acordo com os dados coletados , há diferenças entre os dois grupos na hora de escolher a profissão que vão seguir. Entre os meninos com as melhores performances em matemática ou ciências, cerca de um a cada três espera, aos 30 anos, estar trabalhando com engenharia ou como cientista. Entre as meninas, apenas um a cada cinco esperam o mesmo.

+: Como a desigualdade de gênero se manifesta na educação das meninas

+: Como a diversidade se traduz em desigualdade na escola brasileira

+: A escola brasileira e as desigualdades conforme o território

5. O bem-estar dos estudantes

O PISA entende o bem-estar como um estado dinâmico, relacionado ao funcionamento psicológico, cognitivo, material, social e físico dos estudantes, mas também às capacidades que os jovens têm de ter uma vida feliz .

65% dos estudantes brasileiros relataram estar satisfeitos com a vida, contra 67% da média de países que participaram da pesquisa.  90%  relataram, às vezes ou sempre, sentirem-se felizes; enquanto cerca de 13% dos estudantes disseram estar sempre tristes

No Brasil, 29% dos estudantes relataram sofrer bullying pelo menos algumas vezes por mês. Essa porcentagem é maior que a média dos países da OCDE, que é 23%. A maioria,  85%, diz que é bom ajudar alunos que não podem se defender.

Metade dos alunos havia faltado um dia de aula e 44% haviam chegado atrasados nas duas semanas anteriores à aplicação da avaliação. Entre os países da OCDE, apenas 21% haviam faltado e 48% chegaram atrasados.


https://educacaointegral.org.br/reportagens/o-desempenho-do-brasil-no-pisa/